quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A comédia trágica



The world is a comedy to those who think, and a tragedy to those that feel.

Horace Walpole

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O dinheiro é o nosso fetiche: um deus que nós criámos, mas do qual julgamos depender e ao qual estamos dispostos a tudo sacrificar para apaziguar as suas cóleras.

Anselm Jappe

domingo, 3 de julho de 2011

A chegada do liberalismo real


Portugal chegou finalmente ao (neo)liberalismo. Pelo menos, oficialmente. Desde Cavaco Silva que essa maldição pairava sobre o país, ainda que de forma subtil. Agora é assumido: Pedro Passos Coelho exibiu este fogacho durante a campanha, e há que reconhecer a sua demarcação honesta da social-democracia, que, aliás, nunca existiu em Portugal. Agora temos finalmente a liberdade de escolha, uma liberdade formal, porque a liberdade real, continua a ser um privilégio dos endinheirados (sim, é Marx puro e duro). E como é apanágio de um bom sistema liberal, tributa-se o rendimento do trabalho, com um imposto extraordinário, porque a banca e o big business continuam com lucros demasiadamente extraordinários para serem taxados. Mas o importante é ajudar o país, sacrificando o elo mais fraco da relação laboral - o trabalhador, porque as entidades patronais sofrem muito, quando chega a hora de pagar a empregados e fornecedores. Porque não criar uma taxa para indemnizar os danos pessoais por estes sofrimentos, o fardo do risco e empreendedorismo, já viram o que se sua a especular na bolsa, e o que se chora de baba e ranho para manter a estabilidade financeira (leia-se manter um adequado nível de lucros para bancos e instituições financeiras), e o aperto no coração, quando tem que se dar algo ao trabalhador que, por acaso, cumpriu a sua tarefa. O capital que se multiplique, porque o trabalho garante os recursos necessários ao estado para acudir aquele, quando falha. O pobre que se cuide, porque agora a redistribuição de riqueza é feita em bens transaccionáveis - alimentos, medicamentos e vestuário-, para que o dinheiro não falte a quem mais precisa - ao sistema financeiro, senão há o risco sistémico, não de implosão da coesão e da sociedade, mas de o bem-estar de uma certa elite ser melindrado.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cavaquismo: a nova filosofia oriental


No dia 26/10/10 assistiu-se a uma peça de teatro inaudita na vida política portuguesa. Após uma negociação encomendada, por magistério presidencial, de forma comprometida com o timing político, para que não parecesse conformismo com a circunstância, surge o anúncio da candidatura presidencial, por arrastamento do facto de, agora, a negociação já parecer encaminhada. Eu, que pensava que só as filosofias orientais como o taoísmo, budismo, xintoísmo, etc, é que conseguiam ultrapassar o dilema actor/espectador da condição humana, pelos vistos enganei-me. Cavaco Silva consegue ser actor e espectador numa encenação espantosa: cúmplice do actual estado de coisas, não se inibe de vaiar o espectáculo degradante da política portuguesa, ainda que o tenha permitido, já que qualquer presidente decente teria exigido um acordo pós-eleitoral, para evitar um governo minoritário numa altura delicada como esta. Cavaco constrói o descalabro político, mantém-se imaculado na sua cadeira institucional, surge como o sacerdote virtuoso acima de qualquer suspeita, sobrepõe a sua agenda messiânica à agenda desastrosa do país, numa manipulação grotesca. Se a condição humana é trágica na dicotomia de sermos actores e espectadores na aventura da nossa existência, creio que o cavaquismo surge como uma promessa religiosa para aplacarmos os deuses e, quem sabe, salvarmos as nossas almas penadas de um inferno pior que Portugal.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A "bola" e a nação


A nation must be personified before it can be seen, symbolized before it can be loved, imagined before it can be conceived.


Michael Walzer


De facto, e com a alienação subjacente à euforia do Mundial de futebol como pano de fundo, cada vez mais se vê como os estados modernos são puras comunidades imaginadas, porque são demasiado grandes e complexos para serem experimentados de uma forma directa. O estado tem necessidade de "formar" uma imaginação para os seus cidadãos, com símbolos heróicos e memórias históricas e colectivas. O Estado sempre se quis identificar com virtude, dever e sacrifício, qualidades que são tão bem personificadas sob um uniforme (hoje desportivo, outrora militar) - a sua existência enquanto ficção holística disso depende, caso contrário dissipar-se-ia, sem poder sequer ser imaginado.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Grande transformação


Acabei de ler este grande livro. Há muito que procurava a edição original, em inglês, mas está indisponível, pelo que não resisti e optei pela edição francesa. É um excelente documento, e único no género, sobre a falsa naturalidade de uma sociedade de mercado, ideia que é uma premissa básica do liberalismo económico. O autor, que alia um conhecimento inexcedível em economia com um rigor antropológico notável, mina qualquer veleidade no sentido de defender a orientação para o ganho e para o lucro como uma característica transversal às sociedades humanas - e exemplifica diversas civilizações que, ao longo da história, tiveram como móbil a redistribuição e a reciprocidade. Para o autor, a história do liberalismo, que começa nos primórdios da revolução industrial na Inglaterra, é uma história de tensão utópica, com a separação progressiva e pouco pacífica das esferas económica e política. A transformação do trabalho, da propriedade e da moeda em mercadorias, preconizada pela utopia de um mercado autoregulado levou a uma corrente proteccionista (política), que se desenvolveu ao longo do século XIX, paralela à corrente do laissez-faire(económica), de modo a contrariar a destruição da substância social humana efectuada pela construção de uma sociedade de mercado. Segundo Polanyi, é esta onda proteccionista que vai levar países como a Alemanha, a formar uma unidade nacional e monetária indissociável. Havia que proteger a terra, o trabalho e a moeda, como interesses colectivos, e foi esta política de isolamento e de autarcia pura que ditou o fim do liberalismo económico, concatenada com a inoperância da representatividade democrática. Quando se deu a ruptura, ela deu-se de forma brutal. Se da morte do liberalismo económico, durante os anos de 1929-1945, nasceram monstros ideológicos como o nazismo ou o estalinismo, surge a pergunta: o que nascerá do neoliberalismo?

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sobre a liberdade de expressão

A LIBERDADE DE IMPRENSA TRAZ CONSIGO MALES, E MALES NÃO PEQUENOS; MAS OS QUE RESULTAM DA CENSURA PRÉVIA SÃO MAIS E MAIORES.

Censura prévia é o juízo de uma junta composta, quando muito de seis homens; e nisto diz-se que uma nação não deve saber senão o que sabem seis homens ou o que eles querem que se saiba. Para qualquer poder falar, para poder obrar no país mais despótico do mundo, nunca foi obrigado a consultar a vontade de uma junta; porque razão não terá ele o mesmo direito quando escreve em Portugal?(...)compara-se a acção do cidadão com a lei e aplica-se-lhe depois a pena, se ele tem abusado; e neste pretende-se que ele seja punido antes de delinquir, principiando por tirar-lhe a liberdade, que é o maior castigo que se pode dar ao homem e ao cidadão, porque o priva do maior direito. Mas diz-se que o bem da sociedade pede que em tal caso se modifique este direito, assim como acontece no uso da propriedade; eu, porém, convindo no princípio, nego a sua aplicação, porque não vejo, nem alguém mostrou ainda, a necessidade ou a utilidade da medida, e era preciso primeiramente ter provado uma e outra coisa.
(...) Ninguém nega que seja melhor prevenir os crimes que castigá-los; mas nego eu que a censura prévia previna os abusos que se podem seguir da liberdade de Imprensa. Ou um escritor teme as penas da lei que lhe proíbe atacar a religião e os costumes, ou não teme. No primeiro caso não escreve, e escusa-se portanto à censura prévia; no segundo escreve sempre, e é inútil por isso essa censura.
Intervenção nas cortes constituintes.
Manuel Fernandes Tomás (1771-1822), figura de relevo na instauração do liberalismo vintista no séc XIX, em Portugal.